terça-feira, 10 de setembro de 2013

Formas de dogma



No dia 17 de agosto, Paulo Nobre, pesquisador-doutor em climatologia, falou sobre "Das Nuances do Dogma: da religião às ciências, no ser humano", em palestra realizada no Auditório da Ordem do Graal na Terra, em Embu das Artes.
Partindo do significado original do termo “dogma”, Paulo Nobre discorreu sobre a forma como a religião redefiniu o conceito e sobre como as ciências, ao reconhecerem somente os processos da materialidade, incorrem numa forma moderna de dogma. 
O diálogo culminou com as repercussões de diversos “dogmas” na vida cotidiana do ser humano.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

A família e seus superpoderes

Sibélia Zanon



Helena não apareceu no aniversário de 40 anos da prima. Elas já não se falavam muito ultimamente e Helena praticamente não mais convivia com seus familiares paternos. Encontraria tios que não a reconheceriam, primas e primos com seus respectivos cônjuges e amigos dos amigos dos amigos. Seria mais um evento social, sabia que se sentiria deslocada. Decidiu não ir. Mas, desde então, sentiu uma mudança no relacionamento que ainda nutria com alguns membros da família. Passou a receber olhares reprovadores. Ela não desempenhara a contento o papel de prima exemplar e, portanto, foi reprovada no quesito sociabilidade e condenada por “desfeita familiar”.
Família, cada um tem a sua. E amores, cada um tem os seus. O problema é que nem sempre todos os membros das famílias são uns amores e o amor não se deixa domesticar por convenções sociais. Assim nascem os conflitos familiares de Helenas, Fábios, Anas e de todos nós.
Muitos defendem as próprias famílias com unhas e dentes, assim como o conceito de família. A família ainda é vista como um grupo de elevado valor na sociedade. Grupo que proporciona apoio, fortalece e beneficia, protege e transforma seus membros em verdadeiros cidadãos, capacitando-os para a luta de cada dia. Mas... será mesmo?
Num mundo ideal deveria realmente ser assim, mas, na maioria dos casos, a família de hoje confunde papéis, exercendo poderes diferentes daqueles propagados por seus defensores.
Muitas vezes a família, em vez de amparar, acaba por sepultar. Sepultar desejos, vocações e, acima de tudo, liberdades de seus membros.
Isso acontece por muitos motivos. Muitas vezes porque não é amor o que une as pessoas de uma família. Amor verdadeiro, acima de tudo, respeita o caminho do outro, as individualidades, os anseios e as diferenças, e não quer comprimir tudo e todos numa receita única de viver. Mas aprender a amar pode demorar uma vida, e enquanto a lição não é ensinada e aprendida, vive-se como presidiário das pequenas e grandes obrigações inventadas.

No final do ano, às vésperas do Natal, a angústia aumenta. Também no Dia dos Pais, no Dia das Mães, no Dia dos Avós (que está ganhando notoriedade) ou no Dia dos Primos de Terceiro Grau (ainda inédito).
Como não amar a família da forma esperada? Como não ser feliz entre os familiares no Natal? Como harmonizar os seus desejos de vida, sem ferir as expectativas que os familiares nutrem sobre o seu futuro? Quantas pessoas já não perderam noites de sono, buscando solucionar essas equações complicadas?
Quando a individualidade e a força de escolha de cada um não são respeitadas há conflitos, e a angústia é a prova de que algo não vai bem. Algo também não vai bem quando a coesão familiar está ancorada na tradição, na educação e na conservação de vantagens e de comodidades, em vez de ser consequência de laços afetivos espontâneos.
Se, por um lado, muitas famílias querem delinear o destino de seus membros e são capazes de realizar verdadeiras assembleias decisórias sobre a vida de alguém que nem ao menos está presente, há famílias que usam óculos cor-de-rosa quando se trata de dimensionar os erros de qualquer um de seus integrantes. A historiadora Mary del Priore define nós, brasileiros, como: “severos com os transgressores que não conhecemos, porém indulgentes com os nossos, os da família”. Essa característica não é formadora de cidadania, na medida em que não colabora com o aprendizado da responsabilidade individual que cada um carrega por seus atos.
Mas nem tudo está perdido. Há muitas obrigações familiares inventadas e determinações que anulam a individualidade, porém também há exceções quando, além do parentesco, existe o respeito e a amizade entre os indivíduos de uma mesma família. Quando isso acontece, há verdadeiras oportunidades de crescimento, que são características fundamentais de todo amor. Isso porque o amor é o melhor antídoto para tudo o que é ruim, feio e baixo.
Conforme cada um fortalece suas convicções sobre os deveres e direitos que regem as relações familiares, quem sabe as grades passem gradativamente a dar lugar às asas. Helena ficaria especialmente feliz.

Família

Sibélia Zanon




Em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher, avisa o ditado popular. Mas, em que outras brigas, perspectivas e desejos temos metido as nossas colheres? Muitas vezes as famílias esquecem que há limites entre o coletivo e o particular, ignorando o respeito necessário pelas escolhas e pelos anseios de cada membro. Para achar o equilíbrio não há fórmula
 pronta: ceder quando for a hora, impor limites em outros momentos, 
cuidar e deixar-se cuidar. Tudo faz parte de uma convivência que
 pode gerar boas aprendizagens, desde que haja espaço para a 
autenticidade e para o desabrochar singular de cada um.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

A pedra que equilibra o mundo


Daniela Schmitz Wortmeyer


    Cem toneladas de quartzito, na forma de uma grande placa de pedra, equilibradas há milhões de anos sobre uma base de pouco mais de um metro de diâmetro. “Chapéu de Sol” foi o apelido que lhe deram, em alusão ao seu curioso formato. Esse monumento natural encontra-se na cidade de Cristalina, Estado de Goiás, cercado de inscrições rupestres, lendas e mistérios.
   Quando li em uma página na Internet que alguns creem que essa pedra é responsável pelo equilíbrio do mundo, achei curioso e até engraçado, imaginando se tratar de alguma crença fantasiosa. Mas, ao visitar o Chapéu de Sol pessoalmente, comecei a ficar preocupada.
    Perto de mim, um senhor dizia a outro que, da primeira vez que visitou a pedra, a base que a sustenta estava diferente. Ele contava que, com o passar dos anos, percebe que a base está se desfazendo, até chegar o momento em que não aguentará mais...
    Imediatamente olhei com mais atenção para a pequena pedra sob o gigantesco Chapéu. Tive de concordar, em silêncio, com o homem desconhecido. Após sabe-se lá quantos milhões de anos, observam-se sinais de desgaste. Além disso, quase não se consegue mais identificar as marcas rupestres, feitas por seres humanos que passaram por lá, estima-se, há três milhões de anos. Inúmeras pichações, rabiscos, nomes próprios dos evoluídos homo sapiens sapiens contemporâneos sobrepõem-se a esses registros imemoriais, sobrecarregando o ambiente que circunda o monumento. Nem a placa explicativa em frente à pedra escapou da depredação...
    Contemplando esse quadro e pensando no significado simbólico do lugar onde estava, comecei a refletir: até quando o Chapéu de Sol vai aguentar? Quanto falta para esse mundo perder seu ponto de equilíbrio?
     O solo da região de Cristalina, como em outros locais do Planalto Central, é repleto de cristais de rocha, que em épocas passadas foram profusamente extraídos e comercializados. Hoje a exploração é mais limitada, tanto por questões econômicas, quanto pela crescente criação de reservas ambientais. Caminhando em meio à vegetação do cerrado, não é incomum encontrar pequenos cristais aflorando na superfície da terra. Particularmente, há tempos tenho uma atração especial pelas pedras, porém, mais recentemente, passei a me tornar mais consciente de seu significado.
     Ao olhar os variados tipos de pedras preciosas e semipreciosas expostos no comércio, quantos de nós temos consciência de estar diante de elementos que demoraram milhões de anos para se formar na crosta terrestre? “As criaturas humanas enxergam somente os efeitos finais dos fenômenos naturais que geralmente passam após curto tempo. Dos longos trabalhos subterrâneos que precedem cada fenômeno, nada sabem”, observa a escritora Roselis von Sass, no livro Os Primeiros Seres Humanos.
    Sobre esses fenômenos desconhecidos para tantas pessoas, Judy Hall explica, no livro A Bíblia dos Cristais:
    “Os cristais são o DNA da Terra, um registro químico da evolução. São repositórios em miniatura que contêm os registros do desenvolvimento da Terra ao longo de milhões de anos, e guardam a indelével lembrança das forças poderosas que os moldaram. Alguns foram submetidos a enormes pressões, enquanto outros se desenvolveram em câmaras nas profundezas do subsolo; alguns se formaram em camadas, enquanto outros cristalizaram a partir do gotejamento de soluções aquosas – tudo isso afeta suas propriedades e as maneiras como atuam. Seja qual for a forma que assumam, a sua estrutura cristalina pode absorver, conservar e emitir energia, especialmente na faixa de onda eletromagnética.”
    O fascínio pelos cristais aumenta à medida que nos aprofundamos no conhecimento sobre eles. Cada espécie de cristal possui uma estrutura atômica única, geométrica e regular. É segundo essa ordem interna que os cristais são classificados, embora exteriormente possam apresentar formas e cores muitos diferentes, como esclarece novamente Judy Hall:
    “Embora muitos cristais possam se formar a partir do mesmo mineral ou combinação de minerais, cada um deles se cristalizará de uma maneira. O cristal tem um crescimento simétrico em torno de um eixo. Os seus planos externos regulares são uma expressão exterior de sua ordem interna. Cada par de faces do cristal apresenta exatamente os mesmos ângulos. A estrutura interna de qualquer formação cristalina é constante e imutável.”


    Como pode ser que a formação e constante transformação da Terra ocorram segundo regularidades tão perfeitas? Não é à toa que, desde tempos remotos, seres humanos têm se debruçado sobre essas leis, buscando compreender as correlações existentes entre todos os elementos naturais. Roselis von Sass expressa sabiamente que:
    “Todo o Universo soa e vibra! A força criadora da vida impele e impulsiona, sem parar, em direção a novas formações e ao crescimento! Poderoso e perfeito, além de qualquer imaginação humana, é o ritmo segundo o qual os astros, desde o início, se formam, se movimentam, crescem, se renovam e perecem no Universo...”
    Sob os nossos pés que caminham distraídos nesse solo, há literalmente um mundo em movimento, um constante plasmar de irradiações vivas, que gradualmente se solidificam. Ou seja, o que parece estático, em realidade não o é, nas palavras de Judy Hall:
    “No cerne do cristal estão o átomo e os seus componentes. O átomo é dinâmico e consiste de partículas em rotação em torno de um centro em constante movimento. Portanto, embora externamente o cristal possa parecer estático, ele na verdade é uma massa molecular fervilhante, vibrando numa determinada frequência. É isso o que dá ao cristal a sua energia.”
    Recolhi uma ponta de quartzo transparente do chão, dentre as diversas depositadas nas trilhas que conduzem ao Chapéu de Sol, e sentei em uma pedra diante dele. Segurando firme na mão esquerda aquele pequeno mensageiro do tempo, pensei na antiguidade do solo da região, nas poderosas forças que continuam trabalhando incansavelmente para compor tal magnífico cenário. Era como se um saber ancestral me circundasse, despertando um sentimento de reverência.
    Outros visitantes ali perto faziam alarido: uma mulher ouvia som alto dentro do carro, um homem brincava que ia derrubar o Chapéu de Sol, empurrando-o, em seguida acendia um cigarro. Um menino perguntava ao avô quando passariam em uma loja para comprar um brinquedo. O avô – o homem que antes observara o desgaste da base do gigantesco monumento – caminhava em silêncio sob o sol luminoso do cerrado, catando pequenos cristais de quartzo. Diante da sua serenidade, o menino também conseguiu achar pedrinhas bonitas.
     E o ponto de equilíbrio do mundo?
  Lembrei-me de um lapidador com quem conversamos na cidade, que falava compulsivamente de quanto dinheiro já havia ganhado vendendo cristais, e de como a situação estava difícil hoje. Dizia que ia vender a loja e trabalhar comprando pedras preciosas para os chineses. Classificava os cristais segundo seu valor financeiro, pegando um belo pingente de quartzo fumê e dizendo: “Esse pra mim não vale nada!”
    Em outra loja, uma cliente olhava para uma esfera de cristal e dizia: “Ô, pedrinha cara!”
    Onde está o ponto de equilíbrio do mundo?
  As pedras vibram em “fervilhante” frequência, enviando mensagens que o ser humano atual esqueceu como decifrar. O que parece estático está em movimento, interagindo, influenciando, comunicando. A natureza forma, transforma e decompõe, para novamente formar, ao ritmo das leis imutáveis, como fazia há milhões de anos. Mas em que medida o “senhor da Criação”, o espírito humano, é capaz de colaborar com esse equilíbrio?


   “Tudo mostra movimento, nada é sem forma. Assim, parece como uma gigantesca oficina em redor do ser humano, em parte afluindo para ele e em parte desviando-se dele, entrelaçando-se aí, amarrando e desligando, construindo e demolindo, em mudança permanente, em crescimento contínuo, florescimento, maturação e decomposição, a fim de dar, nisso, ensejo às novas sementes para o desenvolvimento, em atendimento ao nascer e morrer de todas as formas na matéria, condicionado pelo ciclo regular da Criação. Condicionado através da lei do movimento constante, sob a pressão da irradiação de Deus, do único vivo.”


Fotos: Charles Wortmeyer