Sibélia Zanon
A
disciplina não tem uma boa fama. E ela pode mesmo incomodar porque,
inicialmente, qualquer tipo de disciplina parece corporificar a quebra de um
padrão de acomodação. Ela representa a exigência de que uma energia se
precipite para fora, em forma de ação concreta. Quando falo aqui de disciplina,
refiro-me à capacidade de se ter constância e de se manter concentrado em
determinadas tarefas que pareçam ter relevância ou que estejam associadas a
uma meta.
O
ortopedista da minha família, especializado em coluna, conta que aprendeu a
disciplina com seu pai. Quando criança, o pai pilotava e o levava junto. O
menino ficava cansado de tanta demora para a brincadeira começar. Antes do
voo, seu pai checava todos os itens relacionados à segurança pessoalmente. O menino
tentava apressá-lo e o pai dizia: Nunca me aconteceu nada no ar, porque eu
cuido das coisas na terra.
Assim
como há disciplinas e disciplinas, também há pessoas e pessoas. Há aquelas
naturalmente mais regradas, concentradas e disciplinadas, e há outras
naturalmente menos sistemáticas. E nisso tudo não há certo e errado, bom e
ruim, nenhuma receita padrão universal. Uma pitada de indisciplina pode colocar
um pouco de arte na vida, e cada um vai ter de descobrir quanta e que tipos de
disciplina ou indisciplina cabem no seu pacote cotidiano.
Fato é
que enxergamos e reclamamos do lado incômodo da disciplina quando estamos
guerreando com um objetivo, quando queremos mudar algo ou alcançar uma meta
específica, mas não conseguimos ter a força que impulsione a mudança desejada.
Aquela mudança não faz ainda parte de quem somos e, para que passe a fazer
parte, haverá um caminho de experimentação e conscientização que tem seu
custo.
A
forma de se alimentar ou os exercícios físicos são exemplos frequentemente relacionados
à disciplina. Segundo Flavio Passos, pesquisador em nutrição e gastronomia
saudável: “Disciplina é liberdade, um poeta disse uma vez. E de fato a
conquista de disciplina te liberta dos vícios que te prendem a comportamentos
não construtivos. Não se deve buscar a disciplina rígida porque quando você
puxa demais a corda do violão, ela arrebenta. Ao mesmo tempo, se você não tem
nenhuma disciplina, a corda do violão fica frouxa e aí o violão não toca. A
disciplina que é útil é aquela que não gera tensão e nem sensação de privação,
mas que te mantém no foco daquilo que você quer realizar”.
Um
aspecto interessante, que talvez colabore para que rejeitemos a disciplina, é
que aprendemos, desde pequenos, a esperar tudo o que é bom e feliz do
extraordinário (férias, viagens, o dia do casamento, o salto de paraquedas,
caviar, paixão), mas é no ordinário (rotina, trabalho, feijão, repetição,
afeto) que a vida se constrói. E talvez essa seja a grande e maior lição
embutida em qualquer disciplina que decidirmos agregar à vida: reconhecer,
aceitar e aprender a lidar com o fato de que precisamos fazer do ordinário e do
cotidiano algo que valha a pena.
Em Walden – a
vida nos bosques, Henry David Thoreau escreve: “Temos de aprender a redespertar e nos manter despertos, não por
meios mecânicos, mas por uma infinita expectativa da aurora, que não nos
abandona nem mesmo em nosso sono mais profundo. Desconheço fato mais
estimulante do que a inquestionável capacidade do homem de elevar sua vida por
um esforço consciente.”
É verdade que todos precisamos de uma pitada do extraordinário, mas ela vai fazer mais sentido se tivermos uma base de construção cotidiana forte e se soubermos que tudo é conquistado, que existe algum tipo de exigência e de persistência para chegarmos a um objetivo e que é preciso cuidar das coisas na terra para só depois conseguir voar.
É verdade que todos precisamos de uma pitada do extraordinário, mas ela vai fazer mais sentido se tivermos uma base de construção cotidiana forte e se soubermos que tudo é conquistado, que existe algum tipo de exigência e de persistência para chegarmos a um objetivo e que é preciso cuidar das coisas na terra para só depois conseguir voar.