quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Perfume de Brasil

Daniela Schmitz Wortmeyer



Caminhava em um domingo ensolarado e quente, a atmosfera abafadiça tornava custoso prosseguir. Um vizinho sorridente me abordou, mas logo a conversa tocou a situação política do país e numerosas inquietações sobre o futuro turvaram ainda mais o ambiente. Despedi-me e prossegui, forçando-me a concluir a caminhada em consideração aos direitos dos caninos que me acompanhavam. O calor, a mente atordoada, o corpo indisposto, eu só pensava em terminar logo o passeio.
Ao atravessar uma área arborizada ladeando um prédio, chamou-me a atenção uma grande árvore repleta de flores amarelas. De repente, a constatação: “um pau-brasil!” Enchi-me de entusiasmo e me aproximei. Logo percebi o aroma intenso, um perfume inebriante que se espalhava com auxílio de uma brisa suave, tornando as pequenas flores amarelas, com um detalhe carmim ao centro, especialmente atraentes. Abelhas se fartavam naquele verdadeiro banquete aos sentidos, emoldurado por folhas verde-escuras reluzentes.



Sentei-me sob a árvore e deixei-me enlevar por aquela dádiva inesperada. O cansaço de outrora desapareceu e foi como se meus sentidos, meu espírito despertasse para a maravilhosa paisagem ao redor. Vi ao longe um jacarandá com suas flores azul-arroxeadas, flamboyants em tons vermelhos e alaranjados, jasmins-manga com imaculadas flores brancas. Foi como se todas as preocupações terrenas desaparecessem e eu fosse transportada para uma outra dimensão, de pura paz e harmonia.
Fiquei pensando no simbolismo daquela cena, sob a árvore que leva o nome do meu país. Chamada pelos indígenas de ibirapitanga, “pau vermelho”, por conta da tintura extraída de sua madeira cor-de-fogo. “Brasil”, um nome difundido pela boca de mercadores portugueses e posteriormente associado à árvore, era repetido em rituais de saudação a um gênio da floresta, em que se utilizava o extrato da planta. Como relata Roselis von Sass no livro Revelações Inéditas da História do Brasil, a pequena tribo dos tapicaris acreditava que o sangue do gênio “Mbrasil” corria pelas ibirapitangas. Mais além, a escritora esclarece que o nome Brasil significa, em um sentido mais profundo, “terra virgem, país indevassado”. 
Porém, há longos tempos esquecemos desse significado. Ao olhar as expressivas cores da bandeira nacional, muitos experimentam indiferença ou certo tom de ironia. Parece que os valores mais caros e profundos, as esperanças mais puras ligadas à terra-pátria, os vínculos de pertencimento e amor ao País, foram descartados com as desilusões pelos tantos equívocos humanos que se passaram sobre este solo. Esquecemos da beleza e do perfume do Brasil, que o sol incandescente não apenas castiga, mas alimenta novas brotações e formas de vida. 
Ao me levantar e caminhar lentamente de volta para casa, ainda enlevada pela experiência sob o pau-brasil, fiquei pensando se ainda é possível se encantar pelo Brasil, esta terra tão ricamente abençoada por uma vida pujante que insiste em florescer. 



Fotos: Charles Wortmeyer

terça-feira, 2 de outubro de 2018

Estrada afora

“Alexander von Humboldt, que chegou a conhecer a estrada real dos incas, denominou-a, na sua descrição de viagem, ‘a mais útil e a mais admirável de todas as obras dos seres humanos’…”


O povo inca, evoluído espiritual e materialmente, desperta interesse ainda hoje. A grande extensão de estradas é um dos testemunhos da sua competência técnica nas construções. 
Considerando a pouca estrutura que se tinha na época, pode-se imaginar o empenho dispendido para conectar povoados distantes, hoje cidades e países. O esforço e a simplicidade são inspiradores: quanto se pode fazer com pouca estrutura, gerando um grande feito? 
O percurso denominado Qhapac Ñan, patrimônio cultural da humanidade pela Unesco, é notável pela altitude e pelo terreno adverso, ziguezagueando por milhares de quilômetros os picos nevados dos Andes, passando por florestas, vales e desertos.
Segundo a escritora, “essa extraordinária estrada, cujo percurso hoje é em parte conhecido, conduzia em linha ininterrupta através dos países hoje denominados Argentina, Chile, Bolívia, Peru, Equador e finalmente, atravessando a linha do equador, até a Colômbia”.
Roselis von Sass narra ainda que “mais de cem pontes foram edificadas pelos incas e membros de outros povos. Pontes de pedra e madeira, ou então as famosas pontes pênseis ou de cordas. As pontes de cordas, feitas de fibras de agave, foram certamente únicas em sua espécie na Terra”.
A vitalidade, a liderança e o poder do povo inca tinham como alicerce o saber interior, que se manifestava por meio de valores como confiança, pureza e alegria em trabalhar.