quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Olho vivo

Sibélia Zanon

Uma vez passei uns dias numa região muito bonita, dormindo numa pousada bastante simples. O quarto tinha uma cama, algumas prateleiras e um teto branco salpicado com manchas de mofo. O banheiro era pequeno o suficiente para ficar inteirinho molhado depois do banho.
Cada um constrói uma visão específica sobre o que gera ou não conforto, e essa visão permeia a maneira como olhamos nossas casas, nossas férias, nosso ambiente de trabalho, a arquitetura da vida. Ao voltar para casa, depois daquele final de semana, tive um olhar novo sobre a minha casa e sobre as minhas crenças a respeito do conforto.
Algumas vezes, focamos tanto nas demandas que nos aguardam, no que precisa ser consertado e arrumado que não sobra espaço para acolher e usufruir o que está bonito e funciona bem.
Esse princípio se repete em outros setores: olhamos no espelho com reprovação uma imperfeição em vez de notar as partes íntegras do corpo. Prestamos nossas homenagens, supervalorizando derrotas que tivemos, em vez de usufruir as vitórias.
Sair e experimentar outras faces do mundo e da arquitetura é bom. Voltar apropriando-se melhor da respectiva realidade, com seus potenciais e falhas, é ainda melhor. Abrir-se para outros parâmetros pode ser refrescante, pode acordar o olhar viciado sobre a própria realidade e gerar uma consciência diferente a respeito dela. As imperfeições não devem brilhar tanto, a ponto de ofuscar o que é perfeito.



“Certo dia estavam todos caminhando sob um céu claro, numa estrada margeada por campos verdejantes e floridos. Embora houvesse poeira na estrada, o panorama era belo ao redor deles. Os discípulos, no entanto, mais se preocupavam com o pó que os molestava do que com a beleza à sua volta.
Jesus ia no meio do grupo, como de hábito. Percorria o olhar pela redondeza e regozijava-se ante o esplendor do colorido. Em dado momento, porém, notou o desinteresse dos que seguiam à sua frente por aquilo que tanto o encantava. Iam cabisbaixos e taciturnos. Observou os outros à sua volta e viu que tinham a mesma atitude.
— Observai as flores dos campos! disse-lhes, então, Jesus.
— Senhor, isso é erva daninha, que para nada serve. Só prejudica os cereais! disse Judas, admirando-se de que Jesus ignorasse isso.
Ao que replicou Jesus:
— Chamas toda essa beleza, criada por meu Pai, de erva daninha, Judas? Observa as flores. Cada qual é perfeita de acordo com a sua espécie. Que mãos humanas seriam hábeis o bastante para fazer coisa igual?”