Sibélia Zanon
Pessoas são
inspiradoras. A Ana tem um poder de análise muito apurado e consegue ser
profunda e sincera ao emitir uma opinião. O Marcos é descontraído e não exige
que tudo dê certo nem seja perfeito numa primeira tentativa. Sempre fico
admirada com o jeito aberto e acolhedor que a Flávia demonstra diante de meros
desconhecidos. A Carla desenvolveu uma habilidade especial de cultivar as coisas
e enriquecer o ambiente, ela embeleza tudo que toca.
A convivência com pessoas nos dá a
oportunidade de observar a diversidade. Assim, podemos admirar qualidades,
avaliar questões da vida por ângulos inesperados e repensar nossas próprias
escolhas. Afinal, sempre há outras formas de agir, qualidades a desenvolver,
caminhos inusitados a trilhar.
Além de nos beneficiar com a percepção da
diversidade, a convivência pode revelar semelhanças inesperadas, ou ainda
indesejadas. Os defeitos que mais nos perturbam no outro, podem ser também
aqueles que encontramos ao enfrentar o espelho. Isso porque enxergamos com
maior destaque no outro aquilo que também somos. E aí é preciso coragem e
humildade para assumir que há trabalho pela frente, que temos melhorias a fazer,
que estamos em período de manutenção e reforma.
A verdade é que a convivência nos obriga
a afiar nosso próprio discernimento a respeito de muitas questões, daquilo que
nos é importante ou não, a respeito de nossas crenças mais profundas e de nossa
forma de agir, porque de uma forma ou de outra somos desafiados a isso.
Uma amiga me contou
certo dia sobre o martírio dos almoços em família aos domingos, e sobre como
naquelas ocasiões sofria críticas veladas por conta de seu estilo de vida e de
suas escolhas. As intromissões ou provocações, nem tão discretas assim, fizeram
com que ela se tornasse mais confiante e mais forte para manter suas escolhas e
fincar algumas estacas de limites. Conviver em família não implica a perda do
direito à individualidade.
Mesmo
conhecendo bem alguém, ele permanece sendo o outro
e precisa ser visto assim. Isso impõe limites, tanto para nossa obsessão por
controle, quanto para nossas tendências de projeção. Projetar nas atitudes do
outro o nosso próprio perfil, imaginando que ele terá reações iguais às nossas
é fazer um convite para a frustração. O outro é, definitivamente, uma surpresa.
E é desejável aprender a se surpreender.
O
poeta Manoel de Barros diz que não gosta de palavra acostumada. Talvez ninguém goste de convivência acostumada também,
aquela que se repete por hábito e não por gosto. Há convivências obrigatórias
por certos períodos da vida, como com os colegas de trabalho. Mas, na esfera
pessoal, temos mais chance de escolha e, assim, maior oportunidade de
convivermos com aquelas pessoas que nos inspiram a ser melhores.
Conviver é um exercício de ser. Podemos colher inspiração no outro,
mas a colheita é limitada porque também é preciso doar. E enquanto nos ocupamos
em oferecer algo, estamos trabalhando em ter mais consistência. Em vez de
esperar que alguém nos torne inteiros, buscamos conquistar nossa própria
completude. Na certeza de que não existem metades da mesma laranja, é que
desfrutamos de forma mais ampla a convivência. Todos laranja inteira, com a
potencialidade para ser fibra, suco e compartilhar doçura.