quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

A arte de se reinventar

Sibélia Zanon



No meio do exercício, a professora pediu que todos parassem. Ela notou que muitos executavam movimentos contidos, visando a apenas não deixar a bolinha cair. Com isso, não usavam o espaço, não ousavam novas manobras, não se desafiavam. Mas, precisaria haver tanto medo de deixar a bolinha cair? Não. O interessante seria aceitar que as quedas fazem parte da vida e que é sempre possível reinventar-se diante delas. A professora pegou a bolinha e fez ela mesma o exercício. Deixou a bolinha cair no meio da manobra e não se intimidou. Usou o momento da queda a seu favor, integrando-o ao movimento, e fez arte com o inusitado.
Não deixar que o medo de um fracasso futuro ou a sombra de um antigo apaguem a valentia; o arrojo ou a ousadia é uma arte. Lenine canta: “Tenho medo de gente e de solidão / Tenho medo da vida e medo de morrer / Tenho medo de ficar, medo de escapulir / Medo, que dá medo do medo que dá”. E conclui: “O medo é a medida da indecisão”. 
O receio paralisa, tolhe, oprime, amarra e, quando alimentado, recebe reforços de toda parte. Cresce desmedido. Muitas vezes, o medo é mais potente na antecipação de uma tragédia do que ao vivenciar a própria. Pode-se sofrer muito mais por conjeturas formuladas do que pela realidade. 
Isso porque, quando o desafio efetivamente bate à porta, diversos fatores podem colaborar para a sua resolução. Assim como um corponão esmorece na hora do perigoao ser estimulado pela adrenalina, também o interior de uma pessoa pode ampliar-se em busca de uma solução e conectar-se com a ajuda, ao ser impactado por uma grande aflição. Já pensou que os desafios que a vida propõe para cada um, como resultado de sua própria semeadura,têm tamanho compatível com a sua capacidade de superação?
Se o medo tende a paralisar, a coragem faz o contrário. Ela impele ao movimento: enxergar fatos, buscar alternativas, experimentar manobras… A valentia é o lastro que permite ousar movimentar-se dentro de uma realidade limitada ou imperfeita. Permite trazer à superfície o que vive reprimido no interior; permite criar, reinventar-se e sair do torpor. “Cada vez que fazemos o esperado, reforçamos um padrão humano automático de torpor. Existe em nós uma tendência de querer agradar a nós, aos outros e à moral de nossa cultura. Com isso vamos gradativamente nos perdendo de nós mesmos”, escreve o rabino Nilton Bonder.
Se cada um ousar lançar a bolinha a seu modo, aprender com as quedas sem se intimidar, e não tiver como primeira necessidade ser popular perante si mesmo ou perante os outros, talvez a vida fique mais instigante, mais autêntica, menos burocrática, mais artística e verdadeira. 

4 comentários:

  1. Experimentar fases de graças é maravilhoso, vivenciei isso. Em seguida experimentei a maior superação de minha vida até então, considero outra graça os muitos auxílios que recebi. Achei que estava pronto para recomeçar minha vida, aí eu percebi que procurava por alguém que não devia existir mais, me desorientei. Tem sido sofrido encontrar uma saída... Mas esse texto da jornalista Sibélia Zanon é muito encorajador! Rendo meus agradecimentos por ela oferecer ajuda com graça e carinho, perceptíveis em suas palavras.

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  2. ...,"mais artística e verdadeira", este termo "artística" é muto apropriado, pois foge dos intelectismos das coisas, e nos levam à criatividade que nos dá sabedoria e amplia a nossa visão.

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  3. Lindo texto! Me lembrei do poema Jura Secreta, de Abel Silva e Sueli Costa:
    Só uma coisa me entristece
    O beijo de amor que eu não roubei
    A jura secreta que eu não fiz
    A briga de amor que eu não causei
    Nada do que posso me alucina
    Tanto quanto o que não fiz
    Nada do que quero me suprime
    Do que por não saber que ainda não quis
    Só uma palavra me devora
    Aquela que o meu coração não diz
    Só o que me cega, o que me faz infeliz
    É o brilho do olhar que eu não sofri

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