sexta-feira, 22 de junho de 2018

A dor e a delícia

Sibélia Zanon


Certo dia, ele foi ao supermercado para trocar um produto e estava com pressa. O funcionário disse que não poderia trocar a mercadoria. O gerente confirmou. Ele reclamou seus direitos de consumidor e ameaçou fazer uma reclamação na central. Demorou, mas conseguiu fazer a troca. Estava tudo certo. Mas ele saiu de lá incomodado. Não com o gerente, mas consigo mesmo. Percebeu que havia abusado no tom. Na semana seguinte, foi ao mesmo supermercado. Procurou o gerente. Pediu desculpas. A moça do caixa ficou boquiaberta. O gerente o abraçou. 
Colocar-se no lugar do outro é a porta de entrada para a empatia e o remédio certo para equilibrar percepções e ações.
O escritor israelense Amós Oz escreve: “Eu me pergunto: ‘E se eu fosse ele? E se eu fosse ela? O que sentiria, desejaria, temeria e esperaria? Do que teria vergonha, esperando que ninguém mais soubesse?’ Meu trabalho consiste em me pôr no lugar de outras pessoas. Ou mesmo estar em suas peles. A força que me impele é a curiosidade. Eu fui uma criança curiosa. Quase toda criança é curiosa. Mas pouca gente continua a ser curiosa em sua idade adulta e em sua velhice”.
Quais são as dores e as delícias de estar na pele que habitamos? E quais seriam as dores de habitar outras peles?
A pergunta, que pode ser feita muitas vezes ao longo de um único dia, amplia a própria visão de mundo e enriquece a nossa capacidade de vivenciar coisas novas, já que não teremos a oportunidade de viver todas as experiências, mas ao emprestar a dor ou a alegria do outro, podemos covivenciar um acontecimento singular.

Vivências que impactam o outro, mas reverberam sobre a própria pele podem nos fazer mais humanos, contribuindo para uma reavaliação de postura. Em vez de adotar uma postura demasiadamente crítica, defensiva e condenatória, pode-se escolher uma postura mais humilde, humana e auxiliadora. Assim como as crianças, talvez devêssemos cultivar a curiosidade.


6 comentários:

  1. Que belo texto! Parabéns, Sibélia, por sua sensibilidade e empatia!:)

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  2. Com certeza deveríamos desenvolver a curiosidade, muito mais do que qualquer outra capacidade, mas infelizmente ela não é levada em consideração nos currículos escolares, pois, apesar de ninguém observar, sem ela não haveria o próprio conhecimento. Este nasceu, teve a sua origem, em algum curioso, que o diga Newton, e não importa o seu nível intelectual, e infelizmente são os próprios intelectuais a ridicularizarem os curiosos questionadores do conhecimento, e ai que o diga Lemaitre, que propôs a Teoria do Big Bang. Muito boa a crônica, estaríamos muito melhor em todos os sentidos se a curiosidade fosse muito mais incentivada nas escolas, e os curiosos e visionários, não seriam mais tão ridicularizados no início. Parabéns

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  3. Muito obrigada a todos pela troca e comentários! :)

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