quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Recepção de primavera

Sibélia Zanon




“Deus é a força que impulsiona as leis da natureza, a força que ninguém ainda compreendeu, que ninguém viu, mas cujos efeitos cada um, dia a dia, hora a hora, até mesmo nas frações de todos os segundos, tem de ver, intuir, observar, se apenas quiser ver, em si próprio, em cada animal, cada árvore, cada flor, cada fibra de uma folha, quando irrompe do invólucro para chegar à luz.”



Hoje estava passando por um bairro vizinho e, ao olhar as calçadas, pude pressentir algo diferente, mas nada igual ao que eu veria na sequência...
Um portão antigo de ferro, fechado, deixava vislumbrar o caminho intocado que levava ladeira acima.
Provavelmente no topo estaria uma casa esquecida, que não teria recebido visitantes nos últimos tempos. O clima seco, sem chuvas, também teria colaborado para o que pude ver.
A ladeira, que conduzia para a casa, estava recheada de neve. Nunca vi igual.
Uma camada alta, fofa e branca. Encantada e... quente. 
Havia muito e muito algodão, formando um tapete de pontos felpudos e brancos. Aconchegante, convidativo, acolhedor.
Olhei para o céu, em busca da fábrica de algodão, e descobri paineiras irmanadas, carregadas de bolas brancas.
Fiquei feliz por existirem casas abandonadas, onde vassouras e rastelos ficam preguiçosos, jogados em um velho barracão no jardim de ninguém.
Acho que o tapete, recepção de primavera, foi tecido para os beija-flores. Agora eles têm muita matéria-prima para construir suas casas, doçuras arquitetônicas do inusitado.
E nós, passantes, um pouco tontos, um tanto apressados, podemos de novo acreditar que ainda existem caminhos macios e brancos para se trilhar. 
Em algum lugar.


Fotos: Sibélia Zanon

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