segunda-feira, 15 de abril de 2013

A Vida na Prateleira

Daniela Wortmeyer



Dois reais e vinte e cinco centavos. Fiz um esforço para ler a etiqueta já meio apagada, no canto de uma prateleira no supermercado. Por trás daquele valor estava uma folhagem solitária, um verde miúdo com desenhos brancos. Por um instante duvidei que o preço estivesse certo. Olhei mais de perto a etiqueta: “planta-mosaico”. Observei novamente as linhas brancas sobre o verde escuro e compreendi o apelido. Aquele ser de folhinhas delicadas me comoveu; a forma como estava esquecido naquela prateleira, a indiferença com que fora deixado lá, quase como um estorvo, me deu vontade de pegá-lo no colo e levar pra casa.
Na entrada daquele supermercado há sempre diversas plantas à venda de um modo que me entristece. Flores e folhagens ficam amontoadas sem muito cuidado, por vezes amassadas, e quando murcham ou ficam muito danificadas são retiradas como se fossem material inservível – nunca tive coragem de acompanhar o processo até o final, para ver se não são descartadas no lixo... É suficientemente impactante para mim a atitude das pessoas encarregadas daquelas plantas, em total alheamento em relação à vida que têm nas mãos.
Resolvi resgatar a planta-mosaico e colocá-la em um lugar especial em casa. Dias depois notei que suas delicadas raízes escapavam pelo fundo do vaso; percebi que precisava transplantá-la para um vaso maior. Seguiram-se cuidados e inspeções diárias com a insegurança nas entrelinhas: será que ela vai gostar daqui? Será que vai se adaptar, sobreviver?
Na semana passada, após uma jornada desgastante no trabalho, estava sobrecarregada de preocupações e fui para a sala de estar com as luzes apagadas, buscando o equilíbrio perdido. Da janela adivinhei a lua escondida pelas folhas das árvores, inspirei o ar noturno e observei flores de espatódea caídas no chão do parque infantil logo abaixo. Tudo isso me fez sonhar, como se minha alma viajasse para longe, sem que eu tivesse saído dali. Senti uma inesperada alegria e fui sentar-me em frente à mesa onde estava a planta-mosaico. Pousei os olhos nela e novamente me senti comovida, dessa vez porque ela parecia feliz, com suas folhinhas apontando para cima, cheias de vitalidade.
Lembrei-me de minhas preocupações anteriores: seres humanos confusos que incessantemente se queixam de infinitas insatisfações, dificultando que a vida se desenvolva ao seu redor. Assim como ocorre com as plantas no supermercado, essas pessoas enxergam as dádivas da vida com indiferença, maltratando ou, quem sabe, jogando no lixo as sementes que poderiam lhes trazer alegria e realização. Seu olhar anuviado não percebe o potencial silencioso de cada novo dia, as possibilidades de renovação e aprendizado latentes em cada oportunidade. E ainda querem reclamar de que “as coisas nunca mudam”...
Pus-me a pensar sobre mim mesma: quantas vezes terei agido de forma semelhante, ao longo de minha existência? O que tenho a amadurecer a partir dessa situação? Um antigo mandamento inca, registrado por Roselis von Sass em A Verdade sobre os Incas, expressa uma importante advertência a esse respeito: “Gratidão e alegria são duas dádivas preciosas que proporcionam brilho a vossa existência! O ingrato e insatisfeito é um perturbador no mundo!”
Voltei ao supermercado decidida a procurar mais uma planta-mosaico. Dessa vez havia várias, parecendo recém-chegadas. Escolhi a que me pareceu mais determinada a viver; em casa transplantei-a para um vaso maior, encaixado em um cachepô de cerâmica. Levei-a para o meu local de trabalho. Em destaque sobre a minha mesa, aquela gentil criaturinha me serve de lembrete todos os dias: para confiar na Vida, mesmo nos trechos áridos e pedregosos, favorecendo o crescimento e o desenvolvimento onde for possível. Pois, apesar de nossas pertinazes limitações humanas, esse movimento universal sempre prevalecerá.

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