Daniela Wortmeyer
Dois reais e vinte e cinco centavos. Fiz um esforço para ler
a etiqueta já meio apagada, no canto de uma prateleira no supermercado. Por
trás daquele valor estava uma folhagem solitária, um verde miúdo com desenhos
brancos. Por um instante duvidei que o preço estivesse certo. Olhei mais de
perto a etiqueta: “planta-mosaico”. Observei novamente as linhas brancas sobre
o verde escuro e compreendi o apelido. Aquele ser de folhinhas delicadas me
comoveu; a forma como estava esquecido naquela prateleira, a indiferença com
que fora deixado lá, quase como um estorvo, me deu vontade de pegá-lo no colo e
levar pra casa.
Na
entrada daquele supermercado há sempre diversas plantas à venda de um modo que
me entristece. Flores e folhagens ficam amontoadas sem muito cuidado, por vezes
amassadas, e quando murcham ou ficam muito danificadas são retiradas como se
fossem material inservível – nunca tive coragem de acompanhar o processo até o
final, para ver se não são descartadas no lixo... É suficientemente impactante
para mim a atitude das pessoas encarregadas daquelas plantas, em total alheamento
em relação à vida que têm nas mãos.
Resolvi resgatar a planta-mosaico e colocá-la em um lugar
especial em casa. Dias depois notei que suas delicadas raízes escapavam pelo
fundo do vaso; percebi que precisava transplantá-la para um vaso maior. Seguiram-se
cuidados e inspeções diárias com a insegurança nas entrelinhas: será que ela
vai gostar daqui? Será que vai se adaptar, sobreviver?
Na semana passada, após uma jornada desgastante no trabalho,
estava sobrecarregada de preocupações e fui para a sala de estar com as luzes
apagadas, buscando o equilíbrio perdido. Da janela adivinhei a lua escondida
pelas folhas das árvores, inspirei o ar noturno e observei flores de espatódea
caídas no chão do parque infantil logo abaixo. Tudo isso me fez sonhar, como se
minha alma viajasse para longe, sem que eu tivesse saído dali. Senti uma
inesperada alegria e fui sentar-me em frente à mesa onde estava a
planta-mosaico. Pousei os olhos nela e novamente me senti comovida, dessa vez
porque ela parecia feliz, com suas folhinhas apontando para cima, cheias de
vitalidade.
Lembrei-me de minhas preocupações anteriores: seres humanos
confusos que incessantemente se queixam de infinitas insatisfações,
dificultando que a vida se desenvolva ao seu redor. Assim como ocorre com as
plantas no supermercado, essas pessoas enxergam as dádivas da vida com
indiferença, maltratando ou, quem sabe, jogando no lixo as sementes que
poderiam lhes trazer alegria e realização. Seu olhar anuviado não percebe o
potencial silencioso de cada novo dia, as possibilidades de renovação e
aprendizado latentes em cada oportunidade. E ainda querem reclamar de que “as
coisas nunca mudam”...
Pus-me a pensar sobre mim mesma: quantas vezes terei agido
de forma semelhante, ao longo de minha existência? O que tenho a amadurecer a
partir dessa situação? Um antigo mandamento inca, registrado por Roselis von
Sass em A Verdade sobre os Incas, expressa uma importante advertência a esse
respeito: “Gratidão e alegria são duas dádivas preciosas que proporcionam brilho a vossa existência! O ingrato e insatisfeito é um perturbador no mundo!”
Voltei ao supermercado decidida a procurar mais uma
planta-mosaico. Dessa vez havia várias, parecendo recém-chegadas. Escolhi a que
me pareceu mais determinada a viver; em casa transplantei-a para um vaso maior,
encaixado em um cachepô de cerâmica. Levei-a para o meu local de trabalho. Em
destaque sobre a minha mesa, aquela gentil criaturinha me serve de lembrete
todos os dias: para confiar na Vida, mesmo nos trechos áridos e pedregosos, favorecendo
o crescimento e o desenvolvimento onde for possível. Pois, apesar de nossas pertinazes
limitações humanas, esse movimento universal sempre prevalecerá.
Nenhum comentário:
Postar um comentário