quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Papel de parede para as telas do cotidiano

Já que olhamos tanto para as telas e elas fazem parte do nosso cotidiano...

que tal enfeitar a(s) sua(s) tela(s) com uma imagem e uma frase inspiradoras?



Escolha o tamanho desejado e faça o download:







quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

A paz possível


Sibélia Zanon



Observar o pica-pau comendo embaixo do abacateiro me fez pensar sobre a paz. Talvez ler essa frase leve alguns a imaginar a beleza bucólica da cena, a tranquilidade de se ter um abacate fresco disponível, a liberdade de ser pássaro... Mas o que me chamou a atenção naquela cena foi outra coisa.
O pica-pau-de-cabeça-amarela não parecia exclusivamente entregue ao deleite cremoso da fruta. Ele estava atento. A cada bicada, uma parada: corpo ereto, olhar observador, avaliando riscos. O topete longo amarelo dançava para baixo, em direção à fruta e voltava, ondulando para cima, em vigília. “É seguro dar a próxima bicada? Nenhum predador por perto?”
A paz é um artigo de luxo que não se pode comprar. Poucos a possuem. Mas será que nem os pássaros usufruem dela embaixo do abacateiro?
Sobre a luta na natureza, Abdruschin, pensador alemão, propõe a seguinte reflexão:
“Mesmo na luta entre os animais só existem bênçãos, nenhuma crueldade. Basta que se observe bem qualquer animal. Tomemos, por exemplo, o cão. Quanto mais atenciosamente for tratado tal cão, tanto mais comodista se tornará, mais preguiçoso. Se um cão vive na sala de trabalho de seu dono e este atenta, cuidadosamente, para que o animal jamais seja pisado, ou apenas empurrado, mesmo que se deite em lugares onde constantemente esteja em perigo de poder ser machucado sem intenção, como junto à porta, etc., isso redunda apenas em prejuízo do animal.
Em bem pouco tempo o cão perderá sua própria vigilância. Pessoas ‘de bom coração’ dizem, atenuando ‘afetivamente’, talvez até comovidas, que com isso ele mostra uma ‘confiança’ indizível! Sabe que ninguém o machucará! Na realidade, porém, nada mais é do que uma grave diminuição da capacidade de ‘vigilância’, um acentuado retrocesso da atividade anímica.”
Segundo a reflexão, estar alerta para defender-se não é uma crueldade, mas parte das capacitações desenvolvidas naturalmente por cada animal. A vigilância é, portanto, uma qualidade conquistada. Evitar a superproteção desnecessária, não exclui, contudo, que se construa uma relação de confiança e afeto, observando o que pode ser exigido de cada animal e que necessidades precisam ser supridas.
E onde nós, humanos, e a nossa paz desejada nos encaixamos nessa história? A paz para o ser humano, assim como para os animais, talvez não seja a ausência total de perigos e nem mesmo a ausência de atividade, como corremos o risco de pensar.
Buscando na minha memória fragmentos banhados da sensação de paz, vejo que eles podem acontecer nas férias, em meio a paisagens bucólicas ou em países mais seguros. Mas vivi alguns momentos de paz ainda com maior intensidade em períodos de trabalho, ao finalizar algo que me parecia importante. Talvez a paz esteja ligada ao equilíbrio entre atividade e descanso e, em parte, à ideia de missão cumprida. Ela não cai, então, como um banquete pronto na bandeja dos afortunados, mas é construída.
Muitos imaginam que a paz seria a ausência de qualquer tipo de pressão, e não é. A paz é justamente a condição de impedirmos qualquer forma de segregação ou de apequenamento da vida e também da nossa condição de felicidade”, avalia Mario Sergio Cortella. A opinião do educador também aponta para um tipo de paz ativa e construída.
“Não vou brigar para ficar em paz”, ouve-se por aí. Esse caminho pode ser válido em muitas situações, mas será que ele sempre dá certo? Quem evita todo conflito por medo de se posicionar, ignorando as suas crenças e ocultando sua maneira de pensar, fica em paz?
Buscando um entendimento sobre a paz possível e real e considerando que ela não acontece sozinha, talvez exista uma ação principal que, quando cuidada, consiga andar de mãos dadas com a paz. “Conservai puro o foco dos vossos pensamentos, com isso estabelecereis a paz e sereis felizes!”, escreve Abdruschin.
Cuidar dos pensamentos emitidos e cultivados pode ser o berço da paz. Não cultivar pensamentos-sementes que tenham o potencial para se transformarem em monstros é o primeiro passo.
Pode parecer algo pequeno, considerando a paz ser tão grandiosa. Mas as mais diversas ações nascem de pensamentos, o mundo que nos cerca está cheio de pensamentos prontos para se unirem a outros pensamentos-irmãos, que acabam fortalecendo-se mutuamente e podem influenciar outras mentes. Por meio dos pensamentos constroem-se pontes ou barreiras em direção às pessoas ao redor.
Para exemplificar, poderíamos imaginar um ambiente de trabalho hostil, em que pouco se trabalha e muita política se faz, em que alguns só pensam e planejam driblar os colegas e atropelá-los para chegar ao pódio o mais rápido possível. Pensam exaustivamente em meios de manipular informações a respeito de determinado colega, difamam outro e mentem sobre as conquistas realizadas, tentando sobressair a qualquer custo. Como trabalhar em paz num ambiente assim?
Os fantasmas que se cria ao pensar nas mais diversas formas de prejudicar o próximo para sair por cima de qualquer situação não são fantasmas inofensivos ou simples pensamentos que “não pagam taxas”, mas são pensamentos-monstros que ficam perambulando por ali e voltam para assombrar seus donos quando eles menos esperam.
O exemplo serve para ilustrar o tema, contudo, tantos são os pensamentos de inveja, ódio, vingança, que não podemos imaginar coisas boas frutificando por aí. Mas... e se imaginarmos outros tipos de pensamentos? Os pensamentos de amor e bem querer são igualmente ou ainda superiormente fortes e podem ganhar poder com maior afluxo de pensamentos similares, influenciando pessoas para as boas ações e gerando o bem.
A paz não é construída a partir de uma receita pronta. É preciso conquistá-la a cada passo, dentro das condições que a vida apresenta e dentro da maturidade e capacitações de cada um. Mas, se conseguirmos afastar de nossas mentes as sombras e fantasmas pensados, passando a nutrir apenas pensamentos edificantes e positivos, aos poucos o ambiente ao redor vai mudar e a paz pode até chegar mais perto.
Aí, quem sabe, continuaremos alertas como o pica-pau embaixo do abacateiro, mas teremos outras condições anímicas para saborear a vida, mais leveza e afago no lugar de tanto desassossego desnecessário.

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Flores que o vento leva


Daniela Schmitz Wortmeyer


Fincar raízes. Adquirir estabilidade e segurança. Construir uma casa, formar laços sólidos, garantir a aposentadoria. Tornar-se um cidadão respeitável. Minimizar desconfortos e riscos. Aplainar cada vez mais os caminhos, visando uma viagem sem solavancos ou grandes tribulações. Chegar ao final da vida com saúde e conforto material, permitindo-se algumas tranquilas viagens de lazer, para em seguida retornar ao ninho. Usufruir das conquistas após uma árdua jornada de trabalhos. Cercar-se do familiar, do agradável, do conhecido e previsível, sempre que possível. Eis o plano de uma trajetória bem-sucedida, na opinião de tantas pessoas.
Embora todas essas dimensões, se bem dosadas, tenham sua importância na conformação de uma vida equilibrada, o resultado final não é assim tão positivo quando as energias humanas são direcionadas predominantemente para a busca de conforto e segurança. “O objetivo atual do raciocínio de tantos seres humanos terrenos é descanso e vida cômoda. Passar ainda os últimos anos terrenos na comodidade é, por muitos seres humanos terrenos, considerado como o coroamento de suas atividades. Todavia, é veneno o que com isso almejam. É o começo de seu fim, que assim criam!”, adverte o escritor Abdruschin.
O demasiado apego a aspectos mutáveis da existência – como pessoas, bens, lugares, rotinas e posições sociais – decorre da ilusão de, com isso, evitar o desassossego e, quem sabe, o sofrimento decorrente da transformação. É como se toda essa construção erigida pelo ser humano em torno de si, que se lhe torna tão cara e familiar, o impedisse paulatinamente de enxergar que o objetivo maior de sua trajetória é, na realidade, a mudança. Pois não é possível crescer e se desenvolver sem mudar.
Tenho especial predileção pelo poema Degraus (Stufen), do escritor alemão Hermann Hesse (a seguir em tradução livre, de autoria desconhecida):
Tal qual cada flor fenece
e toda juventude cede à idade,
floresce cada patamar da vida.
Toda sabedoria e toda virtude
também florescem a seu tempo
e não devem durar eternamente.
O coração precisa estar, em cada patamar da vida,
predisposto à despedida e a novo início
para, na coragem e sem pesar,
entregar-se a novas ligações.
E em todo começo reside uma magia
que nos protege e nos ajuda a viver.
Temos de transpor, dispostos, espaço a espaço
e a nenhum nos apegar como a uma pátria.
O Espírito Universal não nos quer prender e limitar:
quer erguer-nos degrau a degrau, quer nos ampliar.
Mal nos habituamos a um ambiente,
sentindo-o familiar, ameaça a acomodar-nos.
Só quem esteja pronto a partir e viajar
talvez escape do hábito paralisante.
Talvez ainda a hora da morte
nos envie, jovens, a novos espaços;
o apelo da vida a nós jamais há de findar.
Vamos lá, meu coração: despede-te e convalesce.

Nosso despreparo para “partir e viajar”, para nos desapegarmos das condições exteriores da existência, frequentemente se faz sentir quando enfrentamos mudanças na rotina. O surgimento de um impedimento qualquer para cumprir o planejado, a falha de algum recurso material, um desajuste na saúde ou um deslize próprio ou de outrem, por vezes, desencadeiam acessos de ansiedade e descontrole emocional, que ao extremo podem beirar o desespero. Aparentemente, a agenda se tornou o supremo regente da vida humana – o que denota, mais uma vez, nosso apego a algo demasiadamente frágil, frente ao inevitável dinamismo da vida.


Se pequenas alterações nos parâmetros de um planejamento já provocam esse tipo de reação, o que podemos esperar diante de grandes mudanças, que impossibilitem categoricamente continuar levando uma vida “normal”?
A opinião pública costuma tratar como especialmente desafortunados aqueles que se deparam com incisivas alterações ambientais, patrimoniais, corporais ou sociais, sendo obrigados a mudar o lugar em que vivem, reconstruir sua estrutura material, lidar com novas (in)capacidades físicas ou com perdas de pessoas queridas, entre tantas outras situações. Causa espanto quando algum dos atingidos, em vez do tradicional pranto e desespero, mostra uma postura altiva, declarando que “a vida continua”, que “agora é começar tudo de novo”.
É claro que “começar tudo de novo” não acontece sem abalos. As grandes transformações do ser humano, assim como um terremoto, exigem deslocamentos de posição, tremores de antigas certezas e soterramentos de valores ultrapassados. Isso quer dizer que, por algum período, a alma do ser humano pode parecer uma cidade devastada até que seja possível novamente florescer algo novo naquele chão em recuperação.
Apesar do cenário desafiador, aparentes perdas e infortúnios podem se constituir em verdadeiras bênçãos, sob o ponto de vista do desenvolvimento humano. Nas palavras de Abdruschin: “Só a necessidade leva muitas criaturas humanas ao despertar e ao movimento.” Acostumamo-nos demasiadamente ao familiar e previsível, esquecendo-nos de que a finalidade de nossa passagem pela Terra não se reduz à dimensão material, aos bens, posições e relacionamentos que conseguimos amealhar.
Abdruschin ressalta que: “Só tem finalidade e proveito para o ser humano, o que não devemos tomar aqui na acepção do corpo material, aquilo que durante sua existência terrena atuou com bastante profundidade, imprimindo-lhe na alma seu cunho particular, indelével e permanente. Somente tais impressões têm influência sobre a formação da alma humana, e assim, prosseguindo, influem também sobre a evolução do espírito em seu desenvolvimento permanente.” Somente as ligações e vivências que tocaram verdadeiramente o íntimo do ser humano, para além de todas as aparências e interesses egoísticos, resistirão aos ciclos de transformação que caracterizam a existência.
As alterações da normalidade cotidiana convidam à reflexão e ao movimento, tantas vezes paralisados pela segurança e pelo conforto... Nessas situações, algumas pessoas são levadas a perceber que, apesar de todas as mudanças exteriores, há algo que permanece. Há uma essência que perdura, de onde brota a força e a confiança para enfrentar os desafios, constituindo a fonte da autêntica segurança – uma vez que aspira à eternidade.


É interessante observar como a maioria das pessoas conduz seu dia a dia: evitando, de todas as formas, cogitar que um dia tudo isso irá acabar... Isto é, que precisaremos nos despedir desse plano material. “Certamente não existe nenhum acontecimento que, apesar de sua inevitabilidade, seja sempre de novo posto tão de lado nos pensamentos, como a morte. Mas também certamente nenhum acontecimento existe tão importante na vida terrena, a não ser o do nascimento. Contudo, é bem notório que o ser humano queira se ocupar tão pouco exatamente com o começo e o fim de sua existência terrena, ao passo que a todos os outros acontecimentos, mesmo os de importância totalmente secundária, queira emprestar significação profunda.”, analisa Abdruschin.
Tomar a inevitabilidade da morte em consideração, refletir sobre a necessidade humana de um dia partir deste plano existencial, pode trazer nova luz aos acontecimentos diários. Ou será que é imprescindível passar por um “susto” – uma doença, um acidente ou qualquer outro evento que evidencie nossa fragilidade e finitude – para repensar nossas prioridades e escolhas na vida?
Flores que fenecem... O apego excessivo a aspectos transitórios parece uma atitude pueril, em face de uma abordagem mais realista da destinação humana. Cada pessoa precisa galgar degrau a degrau sua singular trajetória de desenvolvimento, com seus próprios passos e esforços... Porém, no turbilhão de estímulos do caminho, é preciso apurar o olhar para diferenciar as pétalas que o vento levará dos valores permanentes, buscando um sentido espiritualizado para a existência.


Fotos: Sibélia Zanon