terça-feira, 21 de agosto de 2012

Lua de Mel


Sibélia Zanon

— Cláudia, não pode ser. Brincadeira! Seis meses com essa bicicleta e você ainda não sabe?
A voz do rapaz ecoava no silêncio da montanha, na pousada quase deserta.
Fiz um alongamento do fundo da minha rede para ver o que acontecia. Era um casal jovem e bonito. Os mesmos que haviam jantado no restaurante da pousada na noite anterior. O cardápio co- meçava com um creme de mandioquinha. Depois chegou uma truta, feita na hora, com massa fresca, salpicada de tomates e shitake. Tudo arredondado por um bom vinho tinto e nossas duas mesas – as únicas ocupadas naquela noite – foram privilegiadas pela simpatia do chef e pela MPB que tocava soltinha e sem pressa. Lá da minha rede, imaginei: qual daqueles ingredientes teria feito o casal amanhecer com um espírito tão ácido?
O moço continuava segurando a bicicleta impaciente, enquanto Cláudia, agachada, mexia nos pneus e nas rodas, fazendo sei lá o quê.
Decidi que a culpa da acidez não era dos ingredientes da noite anterior. Talvez fosse uma úlcera antiga dando alfinetadas. A paisagem também não devia ser o motivo: montanhas verdes, sol penetrando o ar fresco de outono, grevíleas-anãs chamando beija-flores. A pousada levava a umaestrada de terra no meio de araucárias, ótima para um passeio de bicicleta.
— Cláudia, hoje você tem que aprender. – ele insistia com o ar austero de um professor de jardim de infância, na época em que ainda se colocavam orelhas de burro nas crianças. A moça continuava agachada com as mãos nos pneus.
Decidi que eles dormiram mal. A lareira do chalé deles devia ter algum defeito ou talvez as toalhas não estivessem tão brancas como as minhas. A conversa da bicicleta não mudava de lugar, então resolvi sair da rede e arrumar minha bagagem. Em alguns minutos eu seria obrigada a trocar aquela paisagem mineira nostálgica pela chegada impactante em Guarulhos.
Enquanto guardava as minhas coisas, tive um repentino ataque de felicidade por estar ali sozinha, sem nenhum ser humano em volta para avaliar a minha performance em qualquer atividade.
No caminho para o carro, ainda ouvi um tom agressivo, já sobre outro tema, que vinha de longe:
— Você me dá o que você quiser, Cláudia. Pode ser uma calça jeans, tanto faz, sei lá.
Acho que a Cláudia estava gripada porque não escutei a voz dela em nenhum momento. Foi uma pena. Se ela tivesse falado qualquer coisa, eu saberia o nome do chato do marido dela.


Roselis von Sass