Se pensarmos na existência como afirmação de potencialidades, será que
podemos considerá-la um processo fácil?
Uma criança normalmente nasce com potencial para andar como bípede. Tão
logo seu organismo atinja maturidade para tanto, vivendo em um ambiente
minimamente adequado, ela começa a se movimentar, rasteja, até adquirir o andar
quadrúpede: engatinha. Todo o seu corpo se adapta ao deslocamento nessa
posição, de modo que adquire proficiência em “andar de quatro”. E eis que no
auge desse domínio, quando já se movimenta como um ás entre os móveis da casa, ela
voluntariamente se desestabiliza e passa a ensaiar o andar de pé, modificando
inteiramente sua perspectiva do mundo. A despeito de toda a insegurança que
essa mudança provoca, a criança insiste em realizar seu potencial: desengonçada,
caindo e levantando, ela não desiste até dominar o andar bípede. Como a semente
que sabe que seu destino é ser planta e luta para realizá-lo, enfrentando todo
tipo de obstáculo.
E os adultos, como costumam enfrentar suas limitações? Continuamos
parecidos com as crianças, pouco ligando para ridicularizações e fracassos, em
busca da afirmação plena de nosso ser? Ou será que preferimos nos acomodar ao
já conquistado, evitando passar por desconfortos e situações novas e desafiadoras?
Eu particularmente já percebi que, se dependesse unicamente da minha
livre deliberação, estaria em um estágio de desenvolvimento muito anterior em
vários aspectos. Por diversas vezes fui colocada pela vida em situações
difíceis, das quais não podia me esquivar, e tive que desenvolver dimensões atrofiadas
do meu ser. De repente, tive que realizar uma palestra para um grande público,
em um imenso auditório... Que desafio! O frio na barriga foi grande, mas no
final descobri que eu era capaz de realizar a tarefa. E começar a praticar
corrida, então... Eu que sempre era uma das últimas a ser escolhida nos times
de esporte da escola, que achava que não tinha nenhum perfil de desportista,
tive que desenvolver essa capacidade. E sabe que cheguei até a ganhar medalha
em corrida rústica? E aqueles colegas de trabalho difíceis com que nos
deparamos vez ou outra, que nos dão, esses sim, vontade de sair correndo...
Depois de muito procurar alternativas para conviver com certas pessoas, acabei
percebendo o quanto me modifiquei, ampliando minhas capacidades internas, e
algumas histórias até terminaram em belas amizades. Lembro-me do pensamento de Gibran
Khalil Gibran, filósofo e poeta libanês: “Aprendi
o silêncio com os faladores, a tolerância com os intolerantes, a bondade com os
maldosos; e, por estranho que pareça, sou grato a esses professores.”
Superar limites exige esforço. Exige vencer aquela vontade de ficar no
patamar em que estamos, sem ter que enfrentar desconfortos, sem precisar
esticar os músculos adormecidos... Sair da inércia dói. Que o digam aqueles que
começaram a praticar uma atividade física, depois de tempos de vida
sedentária... Mas seria realmente possível construir uma vida saudável sem sair
do comodismo? Não são as conquistas que exigiram maior esforço as mais
significativas, que possuem real valor em nossa existência?
Para o escritor Abdruschin: “Um braço só se pode robustecer quando se exercita continuamente. Negligenciando nisso, terá que enfraquecer. E assim também cada corpo, cada espírito! Voluntariamente, porém, pessoa alguma se deixa levar a isso. Alguma obrigação deve prevalecer!” De minha parte, penso que devo agradecer pelos desafios
que a vida incessantemente me coloca, por me obrigar a romper com a acomodação.
E ter coragem para lutar, enfrentar os obstáculos, expandir meus limites –
apesar das dificuldades e resistências internas. Pois como já disseram tantos
pensadores: a luta pela vida é a luta pela autoafirmação do ser, pela
explicitação de todas as suas potencialidades. Quem vive se escondendo dos
desconfortos, evitando todo tipo de situação nova e imprevisível, termina
vivendo uma existência muito limitada, tornando-se um espírito encolhido e
amedrontado diante dos limites que ele próprio se recusa a ampliar.
Há no mundo rios forçados pelo homem a correr em linha reta. Foram
desviados de seu curso natural, cheio de curvas e “imperfeições”, para atender a
determinados interesses. Após algum tempo, o que ocorre com esses rios? A vida
neles vai se extinguindo, até que os rios simplesmente morrem, pois foi silenciado
o “cantar das águas”. O movimento sinuoso das águas, que ultrapassam de forma
sutil ou vigorosa os obstáculos do percurso, segue uma sabedoria profunda: não
se destina apenas a alcançar um ponto final, mas a vivificar-se no trajeto que percorre,
alimentando o fluxo vital.
Sobre o ideal de felicidade, o meu não é mais uma existência em linha
reta, porque hoje sei que ela corresponde à própria morte. Quero aceitar os
convites que a vida generosamente me oferece para crescer, a despeito dos
tropeços, dos ensaios desengonçados, das diversas tentativas necessárias para
finalmente aprender... Pois vida é movimento! Apesar da dor do esforço para
expandir limites, quando experimentamos a ampliação do ser há vitalidade e
alegria inigualáveis.
“Movimento é o principal
mandamento para tudo o que existe nesta Criação, pois ela se originou do
movimento, é mantida e renovada por ele!”